Texto de Carlos Campello

INTRODUÇÃO

As transformações dos processos produtivos são, muitas vezes, provocadas pela introdução de novas técnicas e métodos de produção. A partir da metade do século XVIII, com a revolução industrial, acentuou-se a utilização de máquinas que modificaram não só os meios de produção, mas, também, a sociedade, a cultura e a política. Posteriormente, com o advento da energia elétrica houve a agilização dessas transformações e, mais recentemente, com a introdução da microeletrônica, os avanços tornaram-se cada vez mais velozes e freqüentes, ocasionando, em algumas áreas, a redução de postos de trabalho.

Os efeitos dessas mudanças foram sentidos, também, no campo empresarial, onde as grandes corporações da indústria de equipamentos foram gradativamente perdendo, principalmente após a entrada no mercado dos microcomputadores, terreno para as indústrias de programas. Estas organizações passaram a lançar produtos que vieram a facilitar a utilização da informática, não só pelo usuário final, mas, também, por profissionais ligados ao setor, exigindo assim, destes trabalhadores, atualização rápida e permanente do conhecimento.

Portanto, ao se observar o campo da informática, a rapidez da evolução técnica é notória e, se por um lado, possibilita a democratização do acesso à informação e ao conhecimento, por outro lado, pode acarretar formas de exclusão, inclusive, com reflexos no campo econômico e social. Tal evolução vem modificando, permanentemente, as condições do mercado de trabalho, afetando a diversas categorias de trabalhadores, inclusive, as diretamente envolvidas com a área de informática. Exemplo disto são as transformações ocorridas nas atividades ligadas à chamada “produção” de serviços, como as de digitação.

No rastro desse avanço tecnológico, o trâmite de papel é transformado em rede de comunicação, o mundo se comunica pela Internet, enfim, a tecnologia permite diversas aplicações que mudam efetivamente as relações do trabalho e, porque não dizer, da formação dos profissionais das mais diversas áreas. Especificamente na formação do profissional da área de informática, surgem, ainda nos anos 70, os primeiros cursos de graduação, basicamente voltados para o mercado de trabalho e, em sua maioria, com currículos que enfatizam os aspectos tecnológicos.

Assim, o presente artigo apresenta considerações a respeito da trilogia emprego, tecnologia e educação. O texto mostra, de início, o panorama geral sobre a questão do emprego a partir do incremento dos processos informatizados nas organizações, principalmente no setor bancário, prossegue com as transformações ocorridas na área de informática com a conseqüente modificação do perfil do profissional do setor e, discute, na terceira parte, a questão envolvendo os cursos de graduação em informática. Como conclusão, sugere ações para que a Universidade Pública cumpra o seu papel, mesmo em cursos com ênfase tecnológica, na formação completa do profissional.

A TECNOLOGIA DA INFORMAÇÃO E O DESEMPREGO

Em função de um mercado altamente competitivo, as organizações procuram utilizar-se cada vez mais da tecnologia na busca da economia de recursos, da elevação nos níveis de produtividade e do melhor controle dos processos. Tal procura atinge uma quantidade enorme de grandes e pequenas instituições, que atuam nos mais variados ramos de negócio. Analisando este fato e como ele atua sobre as relações de trabalho, Pochmann (2001, p.42) afirma que: “(…) a empresa moderna tende a se apoiar no uso de tecnologias leves (software). Estas, por sua vez, que tendem impactar diretamente as novas tarefas realizadas no interior do posto de trabalho (…).”

Por outro lado, pode-se observar que o avanço tecnológico, especialmente da informática, está transformando sobremaneira os padrões de emprego e comportamento, com o deslocamento de funções entre os trabalhadores. Como exemplo, na área bancária, pode-se citar o trabalho anteriormente realizado pelo digitador (digitação de depósitos, cheques e outros documentos) passou, a partir das transformações tecnológicas, a ser realizado pelo caixa ou até mesmo pelo cliente, através dos “caixas-eletrônicos”. Observa-se, portanto, que cada vez mais as organizações estão investindo em tecnologia e, em função disso, muitas das tarefas rotineiras, antes distribuídas entre diversos trabalhadores, tornam-se mais concentradas, ocasionando, assim, uma redistribuição e, em alguns casos, uma redução da necessidade da mão-de-obra humana.

Fica evidente que a questão da reformulação dos processos de trabalho, através da utilização de novas tecnologias pode tornar irreversível a eliminação de um posto de trabalho. No entanto, não se pode negar à sociedade as facilidades decorrentes dos avanços de tal utilização e, para evitar que a tecnologia contribua para elevar os níveis de desemprego, deve ser buscada a abertura de um novo posto, com a recolocação daquele que foi afastado em decorrência da modernização dos serviços. No entanto, o problema é que a velocidade da eliminação de postos de trabalho, em função da introdução de novas tecnologias, vem sendo mais rápida do que a recolocação do indivíduo.

Dentro do quadro atual de emprego no Brasil, são normalmente apresentadas por diversos estudiosos da questão, duas fórmulas, não necessariamente excludentes, para minimizar os níveis de desemprego causado pela introdução da informática nas organizações: a redução da jornada de trabalho e/ou a requalificação da mão-de-obra.

Tratando da primeira forma, aqueles que a defendem, consideram que a redução da carga horária semanal da mão-de-obra amplia os postos de trabalho, além de permitir um tempo maior para que o trabalhador possa dedicar-se à reciclagem ou, até mesmo, desfrutar mais do lazer. Adotando-se tal procedimento, para Coggiola (2001, p.101): “A informatização não produziria nenhum aumento do desemprego se estivesse acompanhada da diminuição da carga horária semanal. Pelo contrário, ela facilitaria a redistribuição geral das horas de trabalho entre os assalariados ocupados e os desempregados.”

Por outro lado, existem os que consideram que, com a requalificação, o trabalhador consegue nova colocação no mercado de trabalho, com isto passa-se a tratar a questão do emprego como uma relação educação-trabalho. Dentro desta ótica, pode ser elevado o nível de exigência da qualificação profissional, exigindo-se, assim, que o indivíduo ocupe cada vez mais horas de lazer na busca da atualização de conhecimento. Enfim, uma luta constante para conquistar e manter a chamada “empregabilidade”.

Quando se coloca a necessidade da reciclagem constante da mão-de-obra para a conquista de novos postos de trabalho está se transferindo, em última análise, para o indivíduo e para a educação a responsabilidade pela situação do emprego, minimizando-se, assim, o fator econômico como causa primária. Nesta questão, deve-se ter a necessária cautela para não se considerar, simplesmente, que as pessoas estão desempregadas por não estarem preparadas profissionalmente para atender às novas demandas do mercado de trabalho.

A questão envolvendo a relação educação-trabalho é tratada por Silva (1999, p.78), quando afirma que: “As pessoas não estão desempregadas simplesmente porque não estão qualificadas, nem existem empregos vagos simplesmente porque não existem pessoas qualificadas para preenchê-los. A questão é que não existem empregos.”, e por Frigoto (1998, p.46), ao citar que: “Qual o sentido da idéia de educação e formação para a empregabilidade, dentro de uma realidade endêmica de desemprego estrutural(…)?”. Portanto, pode-se observar, a partir das considerações de Silva e Frigoto, que se não houver medidas para a abertura de novos postos de trabalho, será inócuo o investimento no aprimoramento profissional feito pelo indivíduo.

Retomando a questão da influência da informática, passa-se a analisar a questão do emprego no segmento da tecnologia da informação, com funções sendo extintas e outras sofrendo modificações constantes.

O EMPREGO NA ÁREA DA TECNOLOGIA DA INFORMAÇÃO

Embora seja colocado como mercado profissional promissor, o ramo da informática também é atingido pelas transformações decorrentes do campo econômico e pelo avanço tecnológico, com diversas categorias sofrendo mudanças de atribuições e, até mesmo, com a quase extinção de algumas delas. Por mais paradoxal que possa parecer, a mesma evolução tecnológica que pode desempregar trabalhadores em função do crescimento da utilização da informática nas organizações pode, também, servir para desempregar os trabalhadores do setor informático.

Como exemplo, funções ligadas à chamada área de produção, como digitadores, conferentes e operadores, sofrem com a redução do nível de emprego. Mas não são apenas essas categorias são afetadas com a transformação tecnológica do setor computacional. Outros profissionais, como analistas e programadores, também sofrem as conseqüências das rápidas mudanças que ocorrem no mercado informático. Técnicos experientes são muitas vezes tratados como ultrapassados, visto que o conhecimento tecnológico adquirido durante o tempo de atuação na área, pouco ou nada vale, diante de novos paradigmas ditados pela mutação tecnológica.

Assim, por ser uma atividade laboral intimamente ligada à tecnologia, existe grande dificuldade do profissional de informática acompanhar a velocidade de tais mudanças e, com isso, o processo de atualização permanente torna-se desgastante. Além disso, tal mudança é muitas vezes imposta por aqueles que comandam o processo de pesquisa e produção de tecnologia, decidindo quais as inovações a serem introduzidas no mercado, restando aos que a utilizam aceitá-las.

Mas não é apenas a atualização tecnológica que deve ser o objetivo de preocupação do profissional da área de informática, especialmente do Analista de Sistema. A facilidade de utilização dos recursos computacionais (equipamentos e programas), por parte dos executivos das organizações, fez com que o acesso à tecnologia da informação deixasse de ser exclusivo daqueles que atuam no segmento da computação. Com isso, torna-se importante a interdisciplinaridade entre o campo do conhecimento tecnológico e o de instrumentos de gestão.

A ampliação do conhecimento sobre as questões organizacionais e de técnicas de otimização de processos – independente da utilização da informática -, aliados ao conhecimento dos recursos da tecnologia da informação, permite que o Analista atue como elemento integrador entre os executivos e as soluções existentes, ampliando-se, assim, a possibilidade de implementação de sistemas mais eficazes.

Portanto, diante do exposto anteriormente, torna-se importante que os responsáveis pela grade curricular dos Cursos de Graduação em Informática, passem a estudar a possibilidade de mudanças na estrutura dos cursos, assunto este que é tratado no próximo item.

OS CURSOS DE GRADUAÇÃO EM INFORMÁTICA

Com denominações variadas, diversas instituições de nível superior oferecem cursos de graduação ligados à tecnologia da informação. Em franca expansão, a maioria deles prepara o aluno para ingressar no mercado de trabalho e muitos possuem uma estrutura curricular basicamente voltada para os aspectos tecnológicos.

Com isso, as inovações introduzidas no mercado da tecnologia da informação, exigem a atualização do conhecimento a respeito dos novos produtos lançados pela indústria. Tal atualização não se exige apenas daqueles que já se formaram e se encontram atuando no mercado, mas, também, daqueles que estão cursando a graduação em informática.

Tendo em conta a velocidade dessas mudanças, o ensino superior, nesta área, costuma estar a reboque daquilo que é estabelecido pelas empresas do setor, criando uma perigosa adequação da educação ao mercado. Embora não se possa desconsiderar os aspectos tecnológicos, deve-se ter a devida atenção na formação mais ampla dos alunos de graduação, papel este de suma importância do setor educacional e, em especial, da Universidade.

A Universidade deve ter toda a atenção na formação do profissional dos cursos de graduação em informática, de forma que não tenha, como objetivo final, apenas a formação tecnológica, visto ser esta apenas uma ferramenta, e o ingresso no mercado de trabalho. Para Gentili (1998, p.80): “Mais do que pensar a integração dos trabalhadores ao mercado de trabalho, o desenho das políticas educacionais deveria orientar-se para garantir a transmissão diferenciada de competências flexíveis que habilitem os indivíduos a lutar nos exigentes mercados laborais pelos poucos empregos disponíveis.”

Para flexibilizar a habilitação dos profissionais dos cursos de graduação em informática, torna-se necessário que as Universidades revisem os seus currículos, através da ampliação do oferecimento de disciplinas que abordem as questões organizacionais, além da inclusão de valores sociais, humanísticos e de entendimento do mundo. Tais valores criam bases para sustentar as movimentações necessárias ao profissional que atua num cenário de mudanças rápidas e constantes. A questão curricular é comentada por Moraes (2000, p. 203), quando afirma que: “Além da definição do profissional a ser formado, (…) o currículo requer a ‘descrição dos grupos de conhecimentos, habilidades, atitudes e valores éticos e estéticos, fundamentais à formação de profissional`.”

Outro ponto importante é o de se evitar que a Universidade, especialmente as do setor público, transformem-se nos chamados “escolões”. É necessário manter-se o princípio da trilogia: ensino, pesquisa e extensão; procurando-se, assim, não apenas atender a demanda do mercado, mas também e, principalmente, contribuir para a formação profissional ampla e integral do aluno de graduação dos cursos de informática. A Universidade não deve abrir mão, na formação de seus alunos, da observação crítica dos valores sociais e dos princípios da cidadania.

CONCLUSÃO

Sem ter a pretensão de esgotar a discussão, pode-se concluir que:

1) A evolução tecnológica pode ocasionar o desemprego em vários setores. Embora não se deva impedir que a população receba os benefícios facilitadores da utilização da tecnologia da informação, a sociedade deve ter consciência da necessidade de se evitar tal problema. Para isto, a princípio, duas alternativas, não excludentes, se apresentam: a redução da jornada de trabalho e/ou a criação de mecanismos de migração da mão-de-obra dispensada pela utilização da tecnologia.

2) As transformações tecnológicas ocasionam, também, mudanças no perfil de emprego dos profissionais de informática, com funções desaparecendo e outras se modificando permanentemente. Com isso, faz-se necessário que o profissional faça um planejamento que permita a constante reciclagem. Além disso, torna-se necessário o conhecimento sobre gestão empresarial reduzindo, assim, o peso da tecnologia em sua formação, ampliando o leque de oportunidades de colocação no mercado de trabalho.

3) Para atender ao quadro atual, existe a necessidade da reformulação curricular dos cursos de graduação em informática, ampliando-se a formação do aluno nas questões gerenciais, sociais e humanas. A atividade extensionista e de pesquisa deve ser fomentada, permitindo a constante atualização através de cursos de extensão e a identificação de novas tecnologias.

BIBLIOGRAFIA

ANTUNES, Ricardo. Os sentidos do trabalho: ensaio sobre a afirmação e a negação do trabalho. 4. ed. São Paulo: Boitempo, 2001.

COGGIOLA, Osvaldo. Universidade e ciência na crise global. São Paulo: Xamã, 2001.

FONTOURA, Helena Amaral da. A formação do professor universitário: considerando propostas de ação. In: CHAVES, Iduina MontAlverne; SILVA, Waldeck Carneiro da: Formação do professor: narrando, refletindo, intervindo. Rio de Janeiro, Quartet, 1999.

FRIGOTTO, Gaudêncio. Educação, crise do trabalho assalariado e do desenvolvimento: teorias em conflito. In: FRIGOTTO, Gaudêncio (org.). Educação e crise do trabalho: perspectivas de final de século. Rio de Janeiro: Vozes, 1998.

GENTILI, Pablo. Educar para o desemprego: a desintegração da promessa integradora. In: FRIGOTTO, Gaudêncio (org.). Educação e crise do trabalho: perspectivas de final de século. Rio de Janeiro: Vozes, 1998.

MENEZES, Luís Carlos de. Universidade sitiada: a ameaça de liquidação da universidade brasileira. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2000.

MORAES, Silvia E. Currículo, transversalidade e pós-modernidade. In: SANTOS FILHO, José Camilo dos Santos; MORAES, Silvia E. (orgs.). Escola e universidade na pós-modernidade. São Paulo; Mercado das Letras, 2000.

OLIVEIRA, Maria Auxiliadora Monteiro. Escola ou empresa? Rio de Janeiro: Vozes, 1998.

POCHMANN, Marcio. O emprego na globalização: a nova visão internacional do trabalho e os caminhos que o Brasil escolheu. São Paulo: Boitempo, 2001.

SANTOS, Lucíola Licínio de C.P. Saberes escolares e o mundo do trabalho. In: FERRETTI, Celso J.; SILVA JR., João dos Reis; OLIVEIRA, Maria Rita N.S. (orgs.). Trabalho, formação e currículo: para onde vai a escola? São Paulo: Xamã, 1999.

SILVA, Tomaz Tadeu da. Educação, trabalho e currículo na era do pós-trabalho e da pós-política. In: FERRETTI, Celso J.; SILVA JR., João dos Reis; OLIVEIRA, Maria Rita N.S. (orgs.). Trabalho, formação e currículo: para onde vai a escola? São Paulo: Xamã, 1999.

SOUZA, Donaldo Bello; SANTANA, Marco Aurélio; DELUIZ, Neise. Trabalho e educação: centrais sindicais e reestruturação produtiva no Brasil. Rio de Janeiro: Quartet, 1999.

SOUZA, Paulo Nathanael Pereira de. Temas sempre atuais da educação brasileira. São Paulo: Unimarco, 1995.

Voltar ao inicio do site